domingo, 8 de fevereiro de 2009

Berlusconi versus Democracia

Cada vez mais me surpreendo negativamente com a política na Itália.

O último vergonhoso capítulo tem como protagonista o presidente da República, Georgio Napolitano, o presidente do Conselho de Ministros, Silvio Berlusconi, e uma mulher em estado vegetativo há 17 anos, Eluana Englaro.

Primeiro, os fatos. O pai de Eluana, que há 14 anos recebeu a notícia que o estado de sua filha é irreversível, moveu montanhas em um complicado e longo procedimento judicial para fazer valer a vontade de Eluana professada antes de perder a consciência, qual seja, não ser mantida artificialmente em vida em uma situação sem esperança. Pois bem, em Novembro de 2008 a Corte Suprema di Cassazione, a instância jurídica definitiva da Itália, rejeitou o último recurso contra a decisão judicial favorável ao pai de Eluana, praticamente abrindo caminho para que a vontade da mulher em estado vegetativo seja respeitada.

Mas não acabou aí. Até este ponto, não havia muita política no meio, apesar de todo o barulho de integralistas católicos desejosos de impor sua crença e vontade a um pai que passou os últimos 17 dolorosos anos tentando fazer valer a vontade individual de sua filha mesmo enquanto era publicamente chamado de assassino. Em Dezembro, o Ministro do Trabalho, da Saúde e das Políticas Sociais, Maurizio Sacconi, emitiu um ato administrativo que proíbe às estruturas de saúde pública e às clínicas particulares vinculadas ao serviço público executar a ordem judiciária. Já seria muito, se fosse tudo. O ministro já está sendo devidamente processado por intimidação e violência privada por essa absurda intromissão em uma decisão judicial.

Enquanto o problema do Ministro não se resolve, no último dia 6 de Fevereiro Eluana foi levada a uma clínica independente do sistema de saúde pública. Parecia que o calvário terminaria e, como João Paulo II, que recusou-se a receber terapias que prolongassem seu sofrimento em 2005 (sem que ninguém disesse um ai), poderia finalmente morrer em paz.

Mas eis que entra em campo Berlusconi, com sua insaciável sede por popularidade barata. De um dia para o outro, reuniu seu Conselho de Ministros e redigiu um decreto de lei de urgência para impedir a suspensão de alimentação e hidratação de pacientes em toda a Itália. Porém, Berlusconi e sua trupe aparentemente não leram a Constituição antes de fazer o tal decreto. Resulta que o presidente da República, Napolitano, consoante com sua tarefa institucional de zelar pela constitucionalidade das leis e das medidas do governo, simplesmente recusou-se a assinar o decreto. Uma afronta que Berlusconi não aceitou muito bem.

Ecco a confusão política. De um lado, Berlusconi desafia o funcionamento da democracia ao não aceitar um não, mesmo que seja um não proferido por um superior hierárquico (Napolitano) totalmente embasado em uma decisão da mais alta corte judiciária e na Constituição do país. Do outro, a própria democracia italiana. Pois Berlusconi, com sua maioria na Câmara e no Senado, já ameaça mudar a Constituição em regime de urgência. "Para salvar uma vida", diz, na maior cara de pau. Mesmo que a tal vida não queira ser "salva".

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