quinta-feira, 10 de abril de 2008

As eleições na Itália

Me dei conta que, desde a queda de Prodi, não escrevi mais nada sobre a vida política italiana. E este é um assunto particularmente vivo nesse momento em que se aproximam as eleições. Aqui se vota no domingo, dia 13, e na segunda, dia 14. Amanhã mesmo vou buscar minha tessera elettorale.

Pois bem, o que tenho a dizer é: não faço idéia de quem vencerá, mas tenho quase certeza de que as coisas não vão mudar.

A fim de entender porque digo isso, é preciso dar um passo atrás e analisar o contexto dos problemas políticos da Itália parlamentarista. Desde a Segunda Guerra Mundial, o país já trocou de governo 61 vezes. É demais para uma democracia européia.

A instabilidade das legislaturas, porém, é apenas um reflexo da impossibilidade de governar efetivamente causada pela fragmentada estrutura partidária italiana. Por exemplo, o último governo, do centro-esquerdista Romano Prodi, venceu a eleição de 2006 por pouquíssimos votos. E isso que sua coalizão de nove partidos reunia, se não todos, pelo menos a imensa maioria dos partidos que de alguma forma se identificavam com a proposta social da esquerda, incluindos os comunistas tradicionais e os neo-comunistas*, os verdes e alguns partidículos oportunistas de centro-direita. Embora sua maioria na Câmara fosse sólida, a pequena margem de vitória se refletiu em uma magérrima maioria no Senado. Bastou que um daqueles pequenos partidos oportunistas da base de sustentação abandonasse o barco para que o governo caísse frente ao assalto midiático da direita de Berlusconi.

Essa situação não é novidade para ninguém. É consensual a necessidade premente de uma reforma no precário modelo eleitoral vigente (modelo introduzido por Berlusconi poucos meses antes das últimas eleições, aliás, em substituição a uma lei votada em referendo popular vários anos antes). Essa nova reforma preconizada por todos, dizia-se, era necessária não permitir que os próximos governos ficassem à mercê dos "partidos anões". Porém, não houve tempo para qualquer reforma. Anunciada a dissolução do parlamento, os dois grandes partidos de centro se posicionaram. Berlusconi e seu Popolo della Libertà se disseram abertos às velhas alianças, mas apenas os neo-fascistas da Aleanza Nazionale e os radicais separatistas (eles se dizem federalistas) da Lega Nord responderam a seu chamado. Do outro lado do campo de batalha, Veltroni colocou o recente mega-Pardito Democrático, de centro-esquerda. Com eles, ocorreu o contrário: os pequenos partidos que apoiavam Prodi se disseram prontos para uma nova coalizão, mas o PD refutou, alegando o não desejar repetir a fragmentação e as disputas internas que levaram à completa inação do antigo governo.

Sobrou para a esquerda tentar a solução solitária. Bertinotti convocou a Sinistra Arcobalena, disparando forte contra o que argumenta ser a "falsa" esquerda de Veltroni. Casini, antigo aliado de Berlusconi, preferiu rebelar-se e consolidou posição no centro com sua . No processo, desferiu insultos contra esquerda e direita e se ofereceu como uma terceira via, mas parece que conseguiu
atrair muitos eleitores. Micro-partidos de todas as faixas do espectro político fecham o desfile, que inclui bizzarices como a candidata da La Destra, Daniela Santanchè, que parece acreditar que pode ser eleita apenas porque é bonita, ou o "partido" anti-aborto do esquizofrênico Giuliano Ferrara.

Do início da campanha até pouco tempo atrás, as pesquisas indicavam uma saudável margem de liderança para Berlusconi, em torno dos 5 a 9 pontos percentuais. O que não é de se estranhar, dado o fato de que o sujeito é dono de um dos clubes de futebol mais populares do país e de um mega-grupo de mídia que vale U$ 9,4 bilhões e que inclui três dos seis maiores canais de televisão (os outros três são estatais!). Gradualmente, porém, o PD recuperou terreno e conquistou boa parte dos eleitores indecisos, estimados em quase um terço do total de potenciais votantes.

Boa parte desse crescimento se deve aos absurdos proferidos pelos aliados de Berlusconi, a Lega Nord. A mais recente declaração bomba do líder desses radicais, Bossi, envolvia "pegar em fuzis" para fazer valer a sua idéia de federalismo. Entre seus slogans separatistas, "mentre Milano lavora, Roma mangia". E eles conseguem atrair atenção também com seu ódio furioso contra os imigrantes. Um cartaz da Lega mostra uma imagem de um índio norte-americano, acompanhado das palavras: "anche loro hanno subito l'imigrazione", algo como "eles também sofreram a imigração". Em Como, há outdoors que dizem: "L'Italia per gli italiani". Dá pra imaginar um partido desses na coalizão que governa a Itália?

Mas há também os absurdos de Berlusconi. Alguns são hilários, como a "crítica" de que os políticos de esquerda não tem bom gosto para mulheres (!). Outros são mais perigosos para a saúde da democracia italiana, como o ataque de ontem ao atual presidente Georgio Napolitano. Convém lembrar que, aqui, o presidente é, tendencialmente, uma figura quase decorativa, ainda que representante das instituições democráticas. Alguém que fica acima das contendas políticas, mais ou menos como a rainha no Reino Unido.

Atualmente, os dois grandes se encontram em pé de igualdade nas estimativas de voto, com Berlusconi ainda ligeiramente na frente. Porém, como eu disse antes, não importa quem vença. É em função do previsível contexto pós-eleição de um governo refém de pequenos e micro-partidos que eu digo que, seja quem for o vencedor, não vai mudar nada: o governo vai ser difícil, obstaculado não só pela eventual débil margem de vantagem sobre a oposição, mas também pelos próprios aliados, sejam eles os de antes da eleição (Veltroni acabou aceitando a aliança com o partido Italia dei Valori, do ex-ministro Di Pietro) ou aqueles arrolados pelos vencedores na festa de comemoração e distribuição de cargos.

* Vale lembrar a importância histórica da esquerda na Itália. Por pouco o país não caiu na esfera de influência soviética no pós-guerra. Os comunistas sempre foram fortes por aqui, em oposição aos setores católicos conservadores de direita. O movimento sindical, um dos mais robustos da Europa, é herança direta dessa situação.

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