sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Os stranieri na Itália: números e fatos

A imigração é uma das questões mais discutidas atualmente pela opinião pública italiana. Sempre que um straniero comete um crime, o assunto vem à baila. E, usualmente, as notícias vêm carregadas de tons políticos - quando não, dependendo do canal ou do jornal, transbordando preconceito xenófobo e racismo.

Por isso, foi com surpresa que li uma reportagem de página inteira no Il Messagero, tradicional jornal romano. A matéria tratava, muito objetivamente, dos números relativos aos stranieri divulgados em um relatório da Caritas no último dia 30. A seguir, reproduzo alguns dos dados mais relevantes, na esperança de contextualizar o universo dos imigrantes - legais e ilegais - na Itália.

O total de estrangeiros legalizados no início de 2007 foi estimado em 3,69 milhões (praticamente 7% da população de 59,2 milhões), um aumento de 21,6%, ou 700 mil pessoas, em relação ao ano anterior. O número de ilegais é desconhecido; a única referência do relatório é o número de irregulares interceptados: pouco menos de 125 mil.

E de onde eles vêm? Ao contrário das levas migratórias para a França e Alemanha, compostas principalmente por imigrantes do norte da África e da Turquia/Itália, respectivamente, a imigração italiana é uma imigração multinacional, que fala mais de 150 línguas. Dos 3,69 milhões de estrangeiros regulares, cerca da metade é oriunda de outros países europeus, 22% da África, 18% da Ásia e apenas 10% da América. De fato, os países que mais enviaram imigrantes para a Itália até hoje são a Romênia (15,1%), o Marrocos (10,9%) e a Albânia (10,9%). De toda forma, chineses, africanos, sul-americanos e zingari romenos são os que mais chamam a atenção nas ruas, pois são eles os vendedores de rua, os pedintes, os flanelinhas.

Tomados em conjuntos, estes números apontam para um fato notável: a imigração para a Itália é uma das mais intensas em toda a Europa. Apenas a Espanha concorre em número absoluto de entrantes; a título de comparação, a Alemanha absorve apenas 50 mil imigrantes legalizados ao ano. As causas e conseqüências dessa situação fornecem combustível suficiente para abastecer a fogueira sinistra versus destra por horas e horas de debate.

Isso porque, na concepção simplista de grande parte dos italianos, construída com bombardeamento intenso de notícias da MediaSet e afins, os stranieri estão ligados ao crime e à crescente sensação de insegurança. Felizmente, os números do relatório ajudam a entender a situação de modo objetivo. Por um lado, 25% de todas as denúncias criminais são contra estrangeiros, que representam cerca de 33% da população carcerária. Os estrangeiros, de fato, são protagonistas principais de determinados tipos de crime, como prostituição, exploração da prostituição, extorsão, contrabando e receptação. É a chamada micro-criminalità, um conjunto de pequenos crimes que, se não tão sérios do ponto de vista de violência como assassinatos, seqüestros ou assaltos à mão armada, são pervasivos e extremamente visíveis. Por outro lado, quando considerados apenas estrangeiros regulares, a taxa de denúncias criminais cai a 6%, perfeitamente adequada à participação dos regulares na população total. Mas isso não faz notícia, não encontra eco na insatisfação da população. Infelizmente, o preconceito se baseia em simplificações e generalizações.

Mas, se não para roubar ou matar, o que esses estrangeiros vêm fazer na Itália? Trabalhar, aparantemente. De fato, mais da metade declara o trabalho como motivo da estadia (56,6%), enquanto 35,6% vem por motivos de família e apenas 2,9% para estudar. Residem nas zonas mais desenvolvidas da Itália, onde é mais fácil encontrar emprego: 36% no Norte, 27,% no Nordeste e 25% no Centro; no Sul e nas Ilhas são apenas 13%. E contribuem com 6% do PIB, pagando €1,87 bilhão de impostos anualmente. Ou seja, trabalham mesmo: sua taxa de ocupação é de 74%, 12 pontos percentuais superior àquela dos italianos. Muitas vezes, trabalham em ocupações simples, que os italianos não querem mais, como badante, muratore, trabalhador rural e pequeno vendedor. São empregos que pagam pouco, mas pagam mais do que nos países de origem. Mas constituem, sobretudo, uma força motriz de suma importância para a Itália, que até pouco tempo avançava a passos largos para a decrepitude com seus baixos índices de natalidade e sua população envelhecida. E isso, quem diz, é o próprio Presidente da República, Giorgio Napolitano: "L'Italia senza immigrati si blocca".

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