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quinta-feira, 17 de abril de 2008

Pra não dizer que só falo de política...

... vou falar de livros.

Eu havia empacado lendo La Vendetta del Longobardo, um romance histórico que se passa no tempo da derrocada dos longobardos face às intrigas papais e ao fortalecimento dos francos, de Pepino a Carlos Magno. Apesar de muito curioso com relação à época - que, aqui no norte da Itália, por motivos óbvios é bastante estudada -, o livro poderia ser muito melhor. Nada dinâmico, muito detalhado em determinadas partes, muito abstrato em outras. O fio condutor da história, ou seja, a vida do tal longobardo do título, é confuso, e muitos dos personagens (inclusive o principal) não são críveis. Parei, há alguns meses, faltando umas 20 páginas para o final. Parei, em primeiro lugar, por causa do enorme volume de leitura para o doutorado. Depois, por causa da viagem para a Espanha.

Aliás, aproveitei as noites no hotel para ler Zero Assoluto, uma tradução italiana de um pequeno, mas empolgante, romance de ficção científica de Greg Bear (título original: Heads).

Bem, finalmente encontrei fôlego para finalizar La Vendetta del Longobardo. Passei pelas últimas 20 páginas com uma certa nostalgia, até. Como quem termina uma tarefa longa e dolorosa com a qual se afeiçoou, ainda que por simples hábito. Agora me sinto livre. E peguei um livro que ganhei de aniversário da minha amiga turca Firdevs: Riconciliazione: L'Islam, la democracia, l'Occidente, da falecida Benazir Bhutto.

A propósito: grazie, Firdevs!

Até agora, ainda não tenho uma opinião formada. Mas uma coisa posso dizer: nunca discordei tanto de um único livro... E ainda estou apenas na página 80. Não que isso seja ruim, pelo contrário: é desafiador e provocante! Em breve, uma resenha.

domingo, 12 de agosto de 2007

O Futuro Antiutopista de Philip K. Dick: A Scanner Darkly

Ontem, Daniela e eu assistimos ao filme A Scanner Darkly (em português, O Homem Duplo). Adaptação (fiel) de um romance semi-autobiográfico de Philip K. Dick (o autor por trás da inspiração para Blade Runner e Minority Report), o filme de 2006 foi dirigido por Richard Linklater e traz no elenco nomes conhecidos como Keanu Reeves, Winona Ryder, Woody Harrelson, Robert Downey Jr. e Rory Cochrane.

A história se passa em um futuro próximo, nos EUA, onde uma nova droga altamente viciante toma conta das ruas: a Substância D. Agentes policiais a paisana investigam o submundo dos narcóticos e, eventualmente, acabam por se misturar a eles. O personagem principal, Bob Arctor, é um desses policiais. Ele faz parte de um núcleo de consumidores de Substância D e tem como missão identificar seus fornecedores. Ao mesmo tempo, deve lidar com a dependência de Substância D, dificuldades amorosas e o trabalho no Departamento de Polícia, onde os policiais infiltrados utilizam vestes especiais para ocultar suas identidades até mesmo dos colegas.

Evidentemente, o que move o enredo é a paranóia. No caso, a paranóia típica de um policial infiltrado vivendo uma segunda vida é catalizada pela paranóia induzida pelas drogas. O resultado é uma sensação de questionamento da realidade, refletida no estilo de imagens único obtido com a aplicação de uma técnica de animação conhecida como rotoscopia interpolada. As animações trazem vida às ilusões e alucinações dos personagens, focalizando o fato de que nada é como parece e nem tudo deve ser considerado real. Enquanto vigia a si mesmo e seus companheiros de drogas, aumenta o desorientamento de Bob, que começa a questionar também sua identidade. Os conflitos internos do personagem são centrais na obra, conforme ilustrado nas visitas que faz aos médicos do Departamento de Polícia que monitoram os efeitos deletérios da dependência de drogas.

Como mencionei antes, o romance de Philip Dick em que Linklater se baseou para escrever o roteiro é semi-autobiográfico. As referências a problemas sociais que ganhavam importância nos anos 60, como consumo de drogas e intrusão do governo na privacidade dos cidadãos, se misturam a problemas pessoais de Dick, que vivia em uma espécie de comunidade com adolescentes usuários de drogas, foi viciado em anfetaminas e tinha sérias dificuldades em seus relacionamentos amorosos. O resultado é um filme interessante e curioso, com excelentes atuações e um tom noir melodramático que reflete muito bem as temáticas de decadência, desorientação, paranóia extrema e, até mesmo, escapismo.

domingo, 29 de julho de 2007

Leituras de Verão

Tempo de férias, tempo de leituras leves e divertidas.

Por isso, resolvi começar uma série que comprei há algum tempo, ainda no Brasil. Trata-se de Worldwar, de Harry Turtledove, composta por quatro livros: In The Balance, Tilting The Balance, Upsetting The Balance e Striking The Balance. Uma premissa promissora para quem gosta de história alternativa e Segunda Guerra Mundial: em 1942, as potências em conflito precisam lidar com uma invasão aliengígena!

Afinal, os neurônios também precisam descansar.

A propósito, Turtledove é um dos mais prolíficos autores do gênero de histórias alternativas.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

As Tecnologias da Inteligência

Terminei de ler “As Tecnologias da Inteligência”, de Pierre Lévy. Comprado na Feira do Livro do ano passado, foi um dos poucos livros em português que trouxe para a Itália. Achei que seria uma boa leitura técnica para o Ph.D. Me enganei. Não quanto a ser bom ou ruim, mas quanto a ser técnico.

De modo geral, achei que a Lévy faltou objetividade, talvez o requisito mais importante de uma obra técnica. Quando digo falta de objetividade, me refiro aos longos e, a meu ver, desnecessários devaneios filosóficos que permeiam o texto e afastam o leitor da idéia central. Não que a leitura seja ruim, pelo contrário. É até mesmo poética, em certos trechos. O que, porém, mais uma vez vai de encontro ao que estou acostumado quando penso em livros técnicos, com sua linguagem precisa e concisa. Claro, a culpa – se é que existe – é muito mais minha do que do autor, mas o fato é que houve um claro desalinhamento de expectativas da minha parte com relação a esse livro.

Porém, não foi uma perda total. A idéia central, se é que eu entendi bem, é a de que há uma relação de interdependência pervasiva entre a técnica, ou as tecnologias, e o conhecimento. Conhecimento, porém, não é o termo ideal, pois o conceito que Lévy tenta ilustrar vai além da tipologia de conhecimentos que usualmente encontramos na epistemologia. Assim, o autor refere-se a três Pólos do Espírito do Conhecimento: o pólo da oralidade primária, o pólo da escrita e, o que seria a novidade em 1992, o pólo informático-mediático.

Muitas das analogias e inferências que ele propõe são interessantes, como por exemplo a da percepção do tempo em cada um dos pólos. Neste sentido, a figura do tempo no pólo da oralidade seria um círculo, já que a função primordial das tecnologias da inteligência neste pólo é preservar o conhecimento através da repetição. No pólo da escrita, resolve-se o problema da fixação a partir de tecnologias da inteligência externas, estendendo os recursos da memória, e a figura do tempo passa a ser uma linha, representando a continuidade, a história, a acumulação. As formas canônicas do saber em cada um desses pólos, assim, refletem seus conceitos centrais: o mito, para o pólo da oralidade, e a teoria, para o pólo da escrita.

Porém, por mais interessante que seja a discussão do que seria o novo polo informático-mediático e as novas formas de saber dele advindas, muita coisa se perde por já estar tecnologicamente ultrapassada. Em 1992, ainda não havia a difusão da Internet. Para Lévy, a última palavra em tecnologias informáticas de inteligência era o hipertexto (o que levou a alguns dos devaneios filosóficos mais hardcore do livro, na minha opinião). Porém, apesar da extensão óbvia do hipertexto para a rede de computadores, me parece que Lévy não conseguiu prever o impacto que a rede teria. Obviamente é fácil criticar agora, com o benefício da perspectiva histórica a me ajudar, mas confesso que me decepcionei um pouco com esse aspecto do livro.

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Il Signore del Falco: Teimosia ou Obstinação?

Finalmente, terminei de ler "Il Signore del Falco". Não sei se foi obstinação ou teimosia, mas o fato é que o livro é muito ruim. Nota-se que a autora, uma crítica de arte milanesa, dedicou-se à pesquisa sobre Milano medieval. Uma pesquisa louvável (aliás, o único louvor do livro) que ela transferiu para o papel através de descrições detalhadas (maçantes, geralmente) de lugares e personagens típicos da época.

O problema, a meu ver, é que não havia uma história, um enredo que ligasse essas descrições. Não havia conflitos a serem resolvidos nem profundidade nos personagens. O óbvio era óbvio mesmo, não havia reviravoltas ou suspense. O vilão, caricaturizado, era ridículo, capaz de estragar sozinho seus planos. O protagonista era um monge inglês com tendências a rebeldia que parecia não saber onde estava nem o que fazia. Totalmente sem sabor. Na verdade, nenhum personagem tinha um mínimo de carisma, nada com que o leitor pudesse se identificar.

E, para piorar, eu ainda achei o livro mal escrito. Personagens de oito e dez anos dialogam com adultos usando uma linguagem totalmente fora de contexto que, na verdade, apenas reproduz a mesma linguagem que a autora utiliza nas demais passagens descritivas (maçantes, reforço). Personagens agem e reagem de modo exagerado e irreal sem qualquer justificativa para tal (como, por exemplo, para eventualmente enfatizar irracionalidades de época como o fanatismo religioso, ou conflitos internos dos personagens, que inexistem). Por sorte, não conheço muito da história local para notar erros factuais na narração, mas dada a falta de qualidade do resto, não duvido que também estejam presentes.

Pois bem, não foi obstinação. Com tanta coisa boa para ler no mundo, ler "Il Signore del Falco" foi uma demonstração de teimosia burra da minha parte.

sábado, 19 de maio de 2007

Bobby Fischer Va Alla Guerra

Terminei de ler "Bobby Fischer Va Alla Guerra", de David Edmonds e John Eidinow. Trata-se de um racconto detalhado da disputa pelo título mundial de xadrez de 1972 entre o então campeão Boris Spassky, russo, e o desafiante norte-americano Bobby Fischer. Vencendo, Fischer quebrou uma tradição de campeões mundiais russos que remontava a 1948, com Botvinnik. Porém, saber quem ganhou ou perdeu é o que menos conta. Instigante é a mistura entre a descrição minuciosa dos pormenores do match com o mergulho na análise psicológica e biográfica dos dois mestres, bem como na análise sócio-política da época. Tudo ao melhor estilo spy story e com uma linguagem limpa. Mesmo em italiano, a leitura correu rápida e fluida.

Surpreendente, a meu ver, a importância do xadrez na URSS como instrumento de propaganda do sistema. Vencer não era mais do que natural para os russos, e a vitória era a demonstração da superioridade intelectual do comunismo. Os autores também relativizam a ênfase, dada na época, ao simbolismo do campeonato com relação à Guerra Fria - os primeiros anos da década de 70 eram, segundo a análise, um dos períodos de maior aproximação entre comunistas e capitalistas. O livro conta como o assunto dominou os jornais de todo o mundo em um ano marcado pelo início do escândalo Watergate e o massacre na Olimpíada de Munique. Xadrez, em 1972, virou mania mundial graças a luta entre Fischer e Spassky nos confins da Islândia.

Fantástica também a história de Fischer. O retrato pintado é o de um judeu anti-semita com sérios distúrbios psicológicos que, ao longo da vida, vai abandonando qualquer esperança de construir relações sociais com outros seres humanos em favor do xadrez. Uma criança mimada crescida, como citam muitos ao longo do livro, mas também uma máquina de jogar xadrez. Me parece que Fischer, talvez indiretamente pelo seu caráter, inovou no xadrez dos grandes mestres ao elevar a níveis nunca vistos a pressão psicológica exercida sobre seus adversários. Essa estratégia era operacionalizada de diversas maneiras, antes e durante os jogos. Antes, ele impunha uma série de exigências para a realização das partidas, muitas das quais absurdas. E insistia nelas, ameaçando abandonar os campeonatos se não fossem cumpridas. O cenário do xadrez mundial conhecia tanto a excelência técnica de Fischer, capaz de brindar a todos com partidas fabulosas, quanto sua disposição em realmente cumprir suas ameaças - em 1972, ele já havia desisitido de campeonatos suficientes para ser levado a sério. Por isso, cada detalhe, da iluminação e tamanho do tabuleiro e peças ao montante em dinheiro a ser dado a vencedor e perdedor, era minuciosamente visto e revisto por Fischer. Ele chegava atrasado às partidas, ou mesmo não comparecia, afirmando que as condições de jogo não eram ideais. Mas sempre a vontade de ver o mestre jogar vencia as regras e a lógica do cavalheirismo que predomina no xadrez, e Fischer vencia não apenas no tabuleiro, mas fora dele - e antes mesmo de mover a primeira peça.

Durante o jogo, Fischer não deixava de abalar seus oponentes. Era um gênio do xadrez, sem dúvida, mas unia a isso uma gana, uma vontade de vencer que mais parecia fúria. A pressão psicológica sobre o coitado sentado do outro lado do tabuleiro, já enfraquecido pela pressão exercida antes da partida, geralmente era letal. Se isso era fruto da sua maluquice ou se era uma estratégia deliberada, não sei dizer. Nem os autores. Porém, a frase de Spassky na copertina do livro diz tudo:

"Quando giochi con Bobby, il problema non è vincere o perdere. Il problema è sopravvivere."