sábado, 19 de maio de 2007

Bobby Fischer Va Alla Guerra

Terminei de ler "Bobby Fischer Va Alla Guerra", de David Edmonds e John Eidinow. Trata-se de um racconto detalhado da disputa pelo título mundial de xadrez de 1972 entre o então campeão Boris Spassky, russo, e o desafiante norte-americano Bobby Fischer. Vencendo, Fischer quebrou uma tradição de campeões mundiais russos que remontava a 1948, com Botvinnik. Porém, saber quem ganhou ou perdeu é o que menos conta. Instigante é a mistura entre a descrição minuciosa dos pormenores do match com o mergulho na análise psicológica e biográfica dos dois mestres, bem como na análise sócio-política da época. Tudo ao melhor estilo spy story e com uma linguagem limpa. Mesmo em italiano, a leitura correu rápida e fluida.

Surpreendente, a meu ver, a importância do xadrez na URSS como instrumento de propaganda do sistema. Vencer não era mais do que natural para os russos, e a vitória era a demonstração da superioridade intelectual do comunismo. Os autores também relativizam a ênfase, dada na época, ao simbolismo do campeonato com relação à Guerra Fria - os primeiros anos da década de 70 eram, segundo a análise, um dos períodos de maior aproximação entre comunistas e capitalistas. O livro conta como o assunto dominou os jornais de todo o mundo em um ano marcado pelo início do escândalo Watergate e o massacre na Olimpíada de Munique. Xadrez, em 1972, virou mania mundial graças a luta entre Fischer e Spassky nos confins da Islândia.

Fantástica também a história de Fischer. O retrato pintado é o de um judeu anti-semita com sérios distúrbios psicológicos que, ao longo da vida, vai abandonando qualquer esperança de construir relações sociais com outros seres humanos em favor do xadrez. Uma criança mimada crescida, como citam muitos ao longo do livro, mas também uma máquina de jogar xadrez. Me parece que Fischer, talvez indiretamente pelo seu caráter, inovou no xadrez dos grandes mestres ao elevar a níveis nunca vistos a pressão psicológica exercida sobre seus adversários. Essa estratégia era operacionalizada de diversas maneiras, antes e durante os jogos. Antes, ele impunha uma série de exigências para a realização das partidas, muitas das quais absurdas. E insistia nelas, ameaçando abandonar os campeonatos se não fossem cumpridas. O cenário do xadrez mundial conhecia tanto a excelência técnica de Fischer, capaz de brindar a todos com partidas fabulosas, quanto sua disposição em realmente cumprir suas ameaças - em 1972, ele já havia desisitido de campeonatos suficientes para ser levado a sério. Por isso, cada detalhe, da iluminação e tamanho do tabuleiro e peças ao montante em dinheiro a ser dado a vencedor e perdedor, era minuciosamente visto e revisto por Fischer. Ele chegava atrasado às partidas, ou mesmo não comparecia, afirmando que as condições de jogo não eram ideais. Mas sempre a vontade de ver o mestre jogar vencia as regras e a lógica do cavalheirismo que predomina no xadrez, e Fischer vencia não apenas no tabuleiro, mas fora dele - e antes mesmo de mover a primeira peça.

Durante o jogo, Fischer não deixava de abalar seus oponentes. Era um gênio do xadrez, sem dúvida, mas unia a isso uma gana, uma vontade de vencer que mais parecia fúria. A pressão psicológica sobre o coitado sentado do outro lado do tabuleiro, já enfraquecido pela pressão exercida antes da partida, geralmente era letal. Se isso era fruto da sua maluquice ou se era uma estratégia deliberada, não sei dizer. Nem os autores. Porém, a frase de Spassky na copertina do livro diz tudo:

"Quando giochi con Bobby, il problema non è vincere o perdere. Il problema è sopravvivere."

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