sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Capitão Nascimento para presidente

Eu sempre chego atrasado nos assuntos polêmicos. Mas, fazer o que, se assisti Tropa de Elite somente ontem? Afinal, estou na Itália. A pirataria aqui não é como no Brasil...

A história é simples, direta e bem filmada, com intensas cenas de ação de qualidade surpreendente em meio a favelas e cenários bem familiares da realidade brasileira. Os atores são empáticos e trabalham muito bem, especialmente Wagner Moura, intérprete do novo super-herói brasileiro, o Capitão Nascimento. Apesar da qualidade cinematográfica elevada, o filme de José Padilha (o mesmo do documentário Ônibus 174) ainda fica um degrau abaixo de Cidade de Deus.

Em poucas palavras, Tropa de Elite conta a história semi-ficcional da busca do infalível e incorruptível Capitão Nascimento por seu substituto no BOPE, o Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Mas o enredo é um fator menor em Tropa de Elite. A história serve apenas como pano de fundo para mostrar o BOPE como último bastião da legalidade em um sistema corrupto e degradado que inclui não apenas os traficantes dos morros, claramente os vilões da história, mas também a própria polícia dita "convencional" e as classes média e média-alta "socialmente engajadas" da Zona Sul.

Na minha opinião, Tropa de Elite levanta duas questões importantes. A primeira diz respeito ao estado de guerra que a crise de violência no Rio de Janeiro atingiu. A história nos faz pensar que, de fato, a situação chegou a um tal nível de "guerra é guerra" em que já é aceitável abrir mão de certas garantias em termos de direitos humanos quando se tratando com o inimigo. A sociedade se viu admirando uma polícia que esbofeteia, tortura e mata criminosos. Depois do primeiro instante de desconforto e surpresa, os aplausos passaram a vir mais facilmente. Daí a termos Capitão Nascimento como solução para todos os problemas do Brasil, foi um passo. Essa sensação de que "bandido bom é bandido morto" estava, em grande parte, adormecida pelo politicamente correto dominante. Tropa de Elite a fez vir a tona, e as suas conseqüências podem ser muito, mas muito perigosas.

A segunda questão diz respeito justamente à identificação do inimigo. Por muito tempo, o cinema brasileiro viu com relativos bons olhos a criminalidade. O traficante gozava, via de regra, da proteção de uma explicação contextual sócio-econômica em que era mais vítima do que vilão, mais explorado do que explorador. Tropa de Elite inverteu isso de modo revolucionário. Os traficantes são, clara e indiscutivelmente, os Bandidos, com B maíusculo. Eles são cruéis, são maus, e seu extermínio não é, nem de perto, fonte de revolta. Essa simplicidade agrada. Afinal é guerra, somos nós contra eles e, nesses casos, a separação tem de ser nítida e límpida. Além disso, os consumidores, mesmo os playboizinhos maconheiros das faculdades, não são mais viciados doentes ou , mas cúmplices dos traficantes, claramente identificados como o inimigo. Consumidor de drogas, na visão que o filme passa, é quem financia o tráfico, é quem colabora com o inimigo. Logo, é inimigo também. Nítido e límpido. Quem dera a realidade fosse assim, nítida e límpida.

Insomma, Tropa de Elite é uma chamada às armas para a sociedade brasileira, particularmente a carioca, cercada pelo conflito entre o poder legal, representado pela polícia, e o poder paralelo, representado pelo tráfico. Uma chamada às armas que encontrou respaldo e ressoou esperanças e sentimentos profundamente incrustadas na consciência coletiva da sociedade. A idéia é: violência se responde com violência, de preferência violência eficiente, do nível que só o BOPE consegue. Se isso vai ajudar a resolver o problema ou se vai apenas agravá-lo, apenas o tempo dirá. Pessoalmente, acho difícil, mas o fato de que as questões que o filme levantou ganharam as manchetes nacionais é um fato a se considerar.

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