quarta-feira, 27 de junho de 2007

A Vida do Fazendeiro de Ouro Chinês

Esta é a livre tradução do título de um recente artigo do The New York Times que me impressionou muito, de autoria de Julian Dibbell.

Trata-se de um dos artigos mais impactantes que já li sobre vida digital. Faz uma reflexão sobre a economia real dos jogos virtuais massivos, ou MMO (de Massive Multiplayer Online games). Primeiro, o autor mostra um pouco da vida dos gold farmers chineses, ou seja, jogadores-trabalhadores que ganham pouco mais de US$ 0,30 por hora para juntar gold coins no jogo World of Warcraft. Essas gold coins, que são a moeda circulante do mundo virtual onde se passa o jogo, são em seguida comercializadas para jogadores americanos ou europeus que não tem tempo - ou interesse - em acumular a riqueza virtual necessária para adquirir novos itens ou poderes para seus personagens. A prática chinesa de transformar qualquer coisa em commodity chegou até mesmo aos jogos online. E as condições de trabalho, segundo a reportagem, não são muito diferentes do que se costuma criticar no setor industrial chinês: turnos de 12 horas, folgas de três noites por mês (quando muito), trabalho repetitivo e cansativo e condições ambientais precárias.

O artigo conta também como a Donghua Networks, uma das diversas empresas chinesas que atuam no setor, vende power leveling: por US$ 300,00, aproximadamente, os jogadores da empresa assumem um determinado personagem de World of Warcraft por um tempo fixo, usualmente 24 horas ininterruptas. Evidentemente, utilizam de todas as estratégias possíveis para maximizar o desenvolvimento do personagem, conferindo uma experiência e poder que um jogador normal, em ritmo de jogo normal, levaria meses para alcançar. De novo, jogadores americanos e europeus "preguiçosos" são os principais clientes.

O artigo traz também um pouco da reação das empresas de jogos e de jogadores "normais" (aqueles que não gostam de misturar dinheiro ao jogo - fora o que pagam pelas assinaturas, claro!) contra essas práticas. A maioria das empresas tenta banir contas de gold farmers (mas, obviamente, não agem contra as contas dos jogadores que compram os produtos chineses). Por outro lado, jogadores articulam-se em verdadeiros grupos de extermínio para "caçar chineses", como dizem.

Outra questão em discussão refere-se aos leilões de itens virtuais. A eBay, maior empresa de leilões online, baniu a prática em Janeiro deste ano. Mas o mercado de compra e venda de itens virtuais já não prescinde mais da eBay. Grandes "atacadistas" assumiram posição, e vendem de tudo - das moedas de ouro colhidas pelos chineses até armas e armaduras mágicas praticamente inacessíveis aos jogadores normais.

Tudo isso evidencia o que já expus em outros posts sobre a construção de novas regras sociais e cognitivas em ambientes virtuais. Incrivelmente, os fazendeiros chineses (pelo menos aqueles mostrados no artigo) gostam do que fazem. Nas palavras deles, não é apenas trabalho. Sinceramente, não sei até que ponto 12 horas por dia, sete dias por semana na frente de um computador jogando repetidamente a mesma coisa se qualifica como diversão. Mas o fato é que, surpreendentemente, nas horas de folga os fazendeiros de ouro chineses se dedicam a... seus próprios personagens de World of Warcraft!

Surpreendente também a magnitude do mercado dos jogos massivos. Enquanto a mídia dá toda a atenção para Second Life, com seus 6,5 milhões de usuários cadastrados (dos quais apenas 2 milhões parecem ser usuários únicos e, destes, cerca de 10% mantém uma participação efetivamente ativa), a população de jogos online deve estar na casa dos 30 milhões. Apenas World of Warcraft, o mais famoso, possui aproximadamente 8 milhões de contas ativas. O jogo, elaborado pela Blizzard Entertainment, rende US$ 1 bilhão ao ano em assinaturas, um mercado nada desprezível. Apenas na China, Dibbell estima que cerca de 100.000 pessoas trabalham em empresas como as descritas no artigo, movimentando anualmente US$ 1,8 bilhões em bens virtuais ao redor do mundo. Outra estimativa do artigo coloca entre US$ 7 e 12 bilhões o "produto interno bruto" da economia digital global, agregando os demais 80 e tantos jogos MMO atualmente oferecidos.

São fatos e números que fazem pensar no quanto a convergência entre real e virtual está próxima.

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